Presidentes do TRT-2
Hélio Tupinambá Fonseca
Conheça a história e trajetória do sétimo magistrado a ocupar a presidência do TRT-2, Hélio Tupinambá Fonseca, escrita pelo Centro de Memória do TRT-2.
Introdução
Por diversas vezes, nas entrevistas realizadas pelo Centro de Memória do TRT-2 com servidores e magistrados que atuaram nas primeiras décadas de funcionamento da Justiça do Trabalho, uma pessoa foi citada, como alguém que além de sua competência e conhecimento jurídico era muito estimado pelos seus colegas. É lembrado por muitos desses interlocutores como pessoa receptiva e que comumente se dispunha a auxiliar seus colegas em momentos de dificuldade.
Hélio Tupinambá Fonseca
Foi o sétimo magistrado a ocupar a presidência do TRT-2 e traçou uma trajetória que ilustra muito bem a estrutura da Justiça do Trabalho da época. Formado em direito pela Universidade de São Paulo, no final da década de 1930, atuou como advogado e por 7 anos foi funcionário público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Já a Justiça do Trabalho, recém instalada, carecia de membros que possuíssem conhecimento jurídico e fossem versados nas competências políticas e burocráticas da época.
Ele Ingressou em 1943 como suplente de vogal alheio aos interesses de classe, e em 1945 já ocupava o cargo de presidente substituto do Tribunal, na gestão de Nebrídio Negreiros. Não chegou a atuar na primeira instância, mas conhecia o TRT-2 como um todo, sendo lembrado como um magistrado que apesar da rápida ascensão, mantinha-se próximo a servidores e colegas dos diversos setores. Ajudou muitos em uma época na qual o TRT-2 era lembrado como uma “grande família”, onde todos se conheciam e, literalmente, esbarravam-se nos corredores apertados dos prédios no centro da capital.
Hélio Fonseca foi presidente do TRT-2 de 1954 a 1959, período no qual a Justiça do Trabalho vivenciou sua primeira grande expansão, passando, só na capital, de 7 para 19 juntas de conciliação e julgamento. Na presidência enfrentou os problemas que seus antecessores já tinham encarado: a falta de servidores e juízes, e o excesso de processos. Muita demanda e pouco orçamento para uma Justiça que entrava em sua segunda década de existência e via o país passar por um intenso processo de industrialização.
Origens
Hélio Tupinambá Fonseca nasceu em 17 de outubro de 1916, na cidade de Jaú, interior de São Paulo, filho de Paulo Silveira Fonseca e Haydee Tupinambá Fonseca. Sua família possuía propriedades na região de Sorocaba, especificamente em Upauçu. Seu pai era representante do diretório do partido Republicano Paulista e fazendeiro dedicado ao cultivo de café. Em 1925, a família mudou-se para a capital, São Paulo. Hélio, então, iniciou seus estudos no Colégio Stafford e depois no Colégio Rio Branco.
A família de Hélio Tupinambá relembra que ele era conhecido como um exímio esportista em sua juventude, interessando-se por esportes aquáticos, como o polo e a natação. Além disso, também praticava equitação desde muito pequeno na fazenda de seus pais, tendo aperfeiçoado suas habilidades durante o tempo em que esteve no CPOR – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo. Mais tarde, será ilustre sócio do Clube Hípico de Santo Amaro e participará de provas de salto como atleta, representando a Sociedade Hípica Paulista.
Como era comum entre as famílias abastadas da época, ele ingressou muito jovem na Faculdade de Direito de São Paulo, formando-se pela turma de 1938. Lá, nas Arcadas, foi contemporâneo de estudantes que mais tarde alcançariam visibilidade na política nacional, como Auro Soares de Moura Andrade, senador que chegou a ocupar a presidência do Senado Federal, e André Franco Montoro, que foi governador do Estado de São Paulo (1983-1987). Também foi colega de turma de Gilberto Barreto Fragoso, que em 1946 vai ingressar no TRT-2 como magistrado e será contemporâneo de Hélio, em seus anos de atuação na Justiça Trabalhista.
Durante parte de seu período de estudante vai atuar por 7 anos como auxiliar de cartório do 8º Ofício Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (de 1933 a 1940), após isso, já formado, vai exercer a advocacia em casos frente ao Tribunal de Apelação e às Varas da Família e Sucessões da Capital, como membro do escritório de Pedro Rezende Puech, tio de Luiz Roberto Rezende Puech, de quem será, mais tarde, colega no TRT-2.
Hélio vai realizar estágio no exército por duas vezes, no Quarto Esquadrão do segundo regimento de Cavalaria Divisionária entre 1938 e 1941, mas opta por continuar sua carreira na área do direito. Decisão acertada, pois em 1943 vai iniciar sua relação com a Justiça do Trabalho, uma parceria que vai durar por quase 30 anos.
De vogal a presidente
Nos primeiros anos de funcionamento do CRT-2, na década de 1940, a composição da 2ª instância era muito diferente em comparação aos dias de hoje. Seus membros eram escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, pois ainda não estavam instituídos os concursos e a eleição pelos pares. O decreto-lei nº 2.851/1940 (que modificou o decreto-lei 1.237/1939) definia que os Conselhos Regionais do Trabalho deveriam ser compostos por um presidente e quatro vogais, sendo um representante dos empregadores, um representante dos empregados, e os dois restantes alheios aos interesses de classe. Esses últimos deveriam ser escolhidos dentre brasileiros natos, maiores de 25 anos, possuindo especialização em questões econômicas e sociais. Cada um desses vogais possuía seu suplente e todos deveriam ser nomeados para um mandato de dois anos.
Entre os vogais alheios aos interesses de classe, os primeiros a ocuparem esses cargos no CRT-2 foram Ernesto de Mendonça Carvalho Borges e Armando Alcântara. O primeiro fará carreira no TRT-2, tornando-se Presidente do Regional no biênio de 1946-1948, já o segundo, será substituído por Luiz Roberto de Rezende Puech, sobrinho do colega de escritório de Hélio. Foi como suplente dos vogais alheios aos interesses de classe que Hélio Tupinambá Fonseca ingressou na Justiça do Trabalho em 26 de outubro de 1943.
Hélio já estava casado com sua primeira esposa, Farida Issa Fonseca, com quem terá seus dois filhos: Paulo Rubens e Sérgio Luiz. Ele era um jovem promissor, com amplo conhecimento e experiência na área do direito, além de já ter atuado como funcionário público do judiciário por 7 anos. Nos dois primeiros anos vai eventualmente ser convocado para substituir os vogais titulares no CRT-2, o que vai lhe trazer prestígio na instituição, sendo em 1945 nomeado como substituto do presidente do CRT-2. Dispensado de seu cargo anterior, vai ocupar posição equivalente a de atual vice-presidente, na gestão de Nebrídio Negreiros (1944-1946).
No ano seguinte, em 1946, quando o CRT-2 é transformado em Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região pela Constituição Federal de 1946 (e pela lei nº 9.797/1946 que alterou a CLT), Hélio Fonseca, que já atuava no corpo diretivo do órgão, é designado para a função de vice-presidente, e no final do mesmo ano (em 14/11/1946) é nomeado para o cargo de juiz do Tribunal, integrando o quadro permanente da instituição, agora como um juiz de carreira. Ele não atuaria na primeira instância, foi de vogal a juiz de tribunal (equivalente a desembargador) sem ter presidido uma junta de conciliação e julgamento. Contudo, essa era uma trajetória comum na época, considerando que os quadros dos Tribunais Trabalhistas não eram formados por meio de concursos e a ocupação das vagas dependia de pré-requisitos específicos que poucos eram capazes de preencher. Hélio possuía conhecimento jurídico e vasta experiência no serviço público, além de já ter se destacado em sua atuação como vogal.
Ele continuou suas atividades como juiz de Tribunal (atual cargo de desembargador), e em setembro de 1953 vai assumir novamente um cargo de gestão, dessa vez como vice-presidente durante o mandato de Thélio da Costa Monteiro, ambos eleitos pelos seus pares. Como já foi descrito no artigo sobre a trajetória de Thélio, ele não terminou seu mandato como presidente do TRT-2, pois foi promovido a Ministro do TST em 1954, tornando-se figura importante na mudança desse órgão para a capital Brasília, além de ser o primeiro magistrado da 2ª Região a ascender ao cargo máximo da Justiça Trabalhista.
Por isso, em 08 de novembro de 1954, Hélio Tupinambá Fonseca assume a Presidência do Regional, para terminar um mandato que já vinha lidando com os problemas que sempre perseguiam o TRT-2: a falta de recursos, as limitações estruturais e de pessoal, e a demanda crescente. Naquele momento o TRT-2 contava com apenas 15 juntas de conciliação e julgamento, sendo 7 delas na capital, instaladas no minúsculo prédio da Rua Quirino de Andrade, 193.
Hélio já era reconhecido como um magistrado que lidava com os problemas do TRT-2 e que, pela sua cordialidade, estava sempre aberto a receber demandas vindas dos funcionários e magistrados. Isso influenciou para que ele fosse eleito, em setembro de 1955, como presidente do Regional, dando continuidade aos seus trabalhos. Como seu vice, foi eleito o experiente Nebrídio Negreiros, repetindo-se uma dobradinha que já tinha ocupado a presidência do CRT-2 em 1945.
A primeira grande expansão do TRT-2
Seus primeiros anos como presidente, nesse novo mandato, foram de intensa atuação para a expansão do Regional. Os problemas enfrentados nos primeiros 10 anos de instalação da Justiça do Trabalho precisavam ser sanados de maneira radical. Eram poucas unidades judiciais na primeira instância na capital, e ainda assim, estavam apertadas no prédio da Rua Quirino de Andrade, junto com a segunda instância e os setores administrativos. Para termos uma ideia, em 1944 as 13 juntas existentes no CRT-2 tinham recebido um pouco mais de 8.400 ações ao todo, 10 anos depois, em 1954, eram mais de 25.800 ações, distribuídas entre as 15 JCJ do Regional. O TRT-2 tinha ganhado apenas duas unidades de 1ª instância nesse período, mas o número de processos distribuídos tinha triplicado.
No ano de 1954, a lei nº 2.279/1954 criou 3 juntas de conciliação e julgamento na Capital de São Paulo (8ª, 9ª e 10ª), que só foram instaladas em maio do ano seguinte (09/05/1955), por falta de espaço e recursos. Contudo, esse aumento de unidades ainda não era suficiente para dar conta dos processos que eram distribuídos anualmente ao TRT-2. Por isso, no final do ano de 1955, a lei federal nº 2.694/1955 vai criar 60 novos cargos de juízes nos TRTs da 1ª e 2ª Regiões, sendo 15 de juízes presidentes de juntas, 15 de juízes substitutos e 30 de vogais representantes dos empregados e empregadores. Ela também criou mais 9 Juntas na Capital Paulista, da 11ª à 19ª. Nesse mesmo ano, a lei 2.695/1955 também cria a JCJ de Ribeirão Preto, no interior do Estado de São Paulo, e no ano seguinte a lei nº 2.763/1956 cria a 1ª JCJ de São Caetano do Sul.
A Justiça do Trabalho da 2ª Região, após 16 anos da sua instalação, passava pela sua primeira grande expansão. Na cidade de São Paulo, de 1955 a 1957, a quantidade de juntas de conciliação e julgamento mais que dobrou. O que impôs dois novos desafios à gestão de Hélio Tupinambá Fonseca: como encontrar um lugar para abrigar as novas unidades criadas, e funcionários e juízes suficientes para fazê-las funcionar. Entre a criação dessas novas unidades e sua instalação, passou-se mais de um ano, no qual a presidência do TRT-2 moveu mundos e fundos para conseguir os recursos necessários para sua instalação e regular recebimento e processamento das ações.
O ano de 1957 foi, portanto, um ano fatídico, no qual o TRT-2 realizou uma mudança de Prédio, dessa vez para a Rua Rêgo Freitas, e viu seu quadro de pessoal aumentar em 144 funcionários. É preciso lembrar que os concursos realizados no âmbito do TRT-2, naquele momento, ainda não eram abertos ao público externo. Até 1963, todos os certames eram apenas para a efetivação de funcionários interinos, que já realizavam suas atividades no TRT-2. Em 1957, por exemplo, diante da necessidade de efetivação dos funcionários que já atuavam nas juntas, foi realizado um concurso para o preenchimento do cargo de auxiliar judiciário, tendo como resultado a aprovação de 50 candidatos. Tamanha era a demanda pela efetivação desses funcionários, que foram aplicadas provas também nas sedes das juntas de conciliação das cidades de Curitiba e Cuiabá, que faziam parte da jurisdição do Regional.
Além daqueles que foram efetivados, novos funcionários foram admitidos aos quadros do Regional, que crescia em número de unidades e em processos recebidos. E não somente a quantidade de ações distribuídas, mas sua complexidade também aumentava, diante das transformações econômicas e políticas pelas quais o país passava.
JUNTAS DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO EXISTENTES DURANTE A PRESIDÊNCIA DE HÉLIO TUPINAMBÁ FONSECA
JUNTA DE CONCILIAÇÃO | CRIAÇÃO | INSTALAÇÃO | PRIMEIRO JUIZ-PRESIDENTE |
---|---|---|---|
1ª JCJ de São Paulo | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | Oscar de Oliveira Carvalho |
2ª JCJ de São Paulo | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | Thelio da Costa Monteiro |
3ª JCJ de São Paulo | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | José Veríssimo Filho |
4ª JCJ de São Paulo | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | José Teixeira Penteado |
5ª JCJ de São Paulo | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | Décio de Toledo Leite |
6ª JCJ de São Paulo | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | Carlos de Figueiredo Sá |
7ª JCJ de São Paulo | Decreto-lei nº 8.087/1945 | 16/03/1946 | João Rodrigues de Miranda Júnior |
8ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.279/1954 ** | 09/05/1955 | José Adolfo de Lima Avelino |
9ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.279/1954 | 09/05/1955 | Antônio Felipe Domingues Uchôa |
10ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.279/1954 | 09/05/1955 | Roberto Barreto Prado |
11ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Rodolpho de Moraes Barros |
12ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Enéas Chrispiniano Barreto |
13ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Gabriel Moura Magalhães Gomes |
14ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Paulo Marques Leite |
15ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Nelson Ferreira de Souza |
16ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Antonio Lamarca |
17ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Raul Duarte de Azevedo |
18ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Cid José Sitrangulo |
19ª JCJ de São Paulo* | Lei nº 2.694/1955 | 02/01/1957 | Paulo Jorge de Lima |
1ª JCJ São Caetano do Sul* | Lei nº 2.763/1956 | 17/04/1957 | Bento Pupo Pesce |
1ª JCJ Ribeirão Preto* | Lei nº 2.695/1955 | 19/03/1957 | Alfredo de Oliveira Coutinho |
1ª JCJ de Santos | Decreto-lei nº 5.926/1943 | 04/04/1944 | José Ney Serrão |
2ª JCJ de Santos | Lei nº 2.020/1953 | 01/04/1954 | Ildélio Martins |
1ª JCJ de Santo André | Decreto-lei nº 9.110/1946 | 01/05/1946 | Antônio Felipe Domingues Uchôa |
1ª JCJ de Campinas | Lei nº 5.926/1943 | 01/01/1944 | Abrãao Blay |
1ª JCJ de Jundiaí | Lei nº 5.926/1943 | 30/03/1944 | Homero Diniz Gonçalves |
1ª JCJ de Sorocaba | Lei nº 5.926/1943 | 31/08/1944 | Armando de Oliveira Netto |
JCJ de Curitiba | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | Jorge Ribeiro |
JCJ de Cuiabá | Decreto nº 6.596/1940 | 01/05/1941 | José Adolpho de Lima Avelino |
* Juntas de Conciliação e Julgamento instaladas na gestão de Hélio Tupinambá Fonseca.
** Inicialmente, a 8ª Junta de Conciliação e Julgamento foi criada pelo Decreto Lei nº 8.087/1945, contudo a referida criação foi extinta pelo Decreto Lei nº 9.110/1946.
Processos importantes e as grandes greves da década de 1950
A década de 1950 foi marcada pela retomada do desenvolvimento industrial no Brasil e por um período de relativa liberdade política. A indústria automobilística avançava, assim como os incentivos à produção interna de bens de consumo.
Entre os estados brasileiros, São Paulo foi um dos que mais sentiu tais mudanças, que refletiram diretamente no número de ações distribuídas à 2ª Região Trabalhista. Sindicatos cada vez mais organizados e combativos reivindicavam melhores condições para as categorias que representavam, e a inflação, fantasma que sempre assombrou a economia nacional, exigia dessas organizações que frequentemente ajuizassem ações com o intuito de obter reajustes proporcionais à perda do poder de compra dos salários dos trabalhadores.
Nesses termos, não somente em relação às ações individuais, mas muito por causa dos dissídios coletivos, a Justiça do Trabalho, na década de 1950, esteve sempre nas capas dos jornais como órgão conciliador e instância para a qual eram remetidas todas as contendas entre trabalhadores e patrões. Muitos desses conflitos, devido à organização e ao protagonismo que os sindicatos tinham alcançado, levaram a greves de proporções massivas. Cabia, portanto, ao corpo de juízes do Tribunal e à presidência de Hélio Fonseca conciliar os interesses em disputa.
Em março de 1953, após um conjunto de manifestações, trabalhadores da capital e do ABC paulista decretaram greve geral, requerendo reajustes salariais. Motivada pela alta da inflação e a depreciação salarial, a greve foi julgada pelo TRT-2, que decidiu pelo aumento de 32% no salário dos trabalhadores, após quase um mês de paralisações. Esse movimento paredista de grandes proporções envolveu cerca de 300 mil trabalhadores de várias categorias (têxteis, metalúrgicos, gráficos e industriais). Entre os diversos processos distribuídos no contexto dessa greve, temos os autos de nº 117/1954, do acervo histórico do TRT-2, no qual os trabalhadores pleiteiam a revisão do aumento julgado pelo Tribunal no ano de 1953, durante a greve dos 300 mil.
Essa greve permitiu o fortalecimento das bases sindicais a partir da emergência de novas lideranças, em um período de relativa abertura política durante o segundo governo de Getúlio Vargas. Por isso, quando em 1957, já no governo de Juscelino Kubitschek, o aumento do custo de vida atingiu em cheio os salários dos trabalhadores do setor industrial, uma greve de maiores proporções estourou e chegou novamente aos corredores da Justiça do Trabalho. Essa paralisação contou com mais de 400 mil trabalhadores, de diversas categorias, que em alguns locais chegaram a entrar em conflito com a polícia.
Após contar com significativo apoio da sociedade civil e de partidos políticos, o movimento recebeu decisão favorável do TRT-2, que concedeu aumento de 25%, sendo reformada, mais tarde, para 18%. Entre os processos relacionados a essa greve, temos o dissídio coletivo nº 143/1957, pertencente ao acervo histórico do TRT-2.
Presidente para todas as ocasiões
Hélio Tupinambá Fonseca era de uma família tradicional do interior de São Paulo e, estabelecido na Capital, era alguém que frequentava os redutos da elite da época. Era sócio do Clube Hípico de Santo Amaro (Zona Sul de São Paulo), fundado em 1935, que ao lado da Sociedade Hípica Paulista (1911) eram as mais tradicionais agremiações do hipismo nacional. Ele aparece nos jornais da época como assíduo frequentador dos eventos do clube, e é mencionado também como atleta em algumas das competições hípicas realizadas na cidade. Contudo, uma das histórias que resistiu ao tempo, que liga Hélio ao Clube e ao TRT-2, aponta para outra faceta dessa personagem. Apesar de ser descrito como firme em seus posicionamentos, a ponto de entrar em disputas jurídicas com seus colegas e amigos de Tribunal, e por ser alguém de hábitos “finos”, também era uma pessoa que estava sempre aberta a receber e a acolher seus amigos.
Um desses amigos foi Luiz Antonio de Toledo Leite, servidor do TRT-2 de 1957 a 1990, que atuou na 1ª instância começando aos 18 anos como servente na 4 ª JCJ e chegando a ocupar a direção da JCJ de Campinas, da 22ª JCJ da Capital e da 2ª JCJ de Santos, onde se aposentou. Ele relembra que possuía uma relação muito próxima com Hélio Tupinambá Fonseca, por quem muitos servidores nutriam simpatia, por ele ser acessível a todos que a ele recorriam. Totó, como Luiz Antonio era conhecido pelos colegas de TRT-2, relatou ao Centro de Memória do TRT-2, uma situação específica:
Luiz Antonio de Toledo Leite foi o segundo personagem da série Memórias Narradas, projeto de história do Centro de Memória do TRT-2.
Outra servidora aposentada, que conviveu com Hélio, relembrou dele com carinho e descreveu como foi a situação de sua contratação no TRT-2. Dayse Conrado Bacchi foi servidora do TRT-2 de 1952 a 1987, atuando na Seção de Certidões e Traslados, onde chegou a assumir a chefia e trabalhou por toda a sua vida profissional na Justiça do Trabalho. Ao ceder entrevista ao Centro de Memória do TRT-2 para o projeto Memórias Narradas, lembrou com carinho de Hélio Tupinambá Fonseca, presidente que a recebeu no momento de sua admissão. Ela conta que seu pai era amigo de Hélio e, que naquela época, a admissão de funcionários no TRT-2 se dava por meio de indicações e de entrevistas. Os concursos públicos ocorriam apenas para promoção interna. A jovem Dayse buscava sua independência e conseguiu uma audiência com o presidente:
(…)“Esse foi meu padrinho, foi o meu querido Hélio Tupinambá Fonseca. Foi ele que me nomeou. Foi ele que me ajudou a levantar do chão (risos) quando eu caí na sala dele”.
Entrevista concedida pela servidora aposentada Dayse Conrado Bacchi ao “Memórias Narradas”, projeto de história oral do Centro de Memória do TRT-2.
Fora essas situações relacionadas ao cotidiano dos corredores da Justiça do Trabalho em suas primeiras décadas de existência, também pudemos coletar relatos que expressam o quanto Hélio, independentemente de suas posições políticas, dispôs-se a auxiliar pessoas próximas, mesmo arriscando-se a se comprometer com as autoridades do Regime Militar, que na década de 1960 perseguiam qualquer indivíduo que esboçasse alguma divergências com o governo.
Hélio Fonseca era amigo de Carlos Figueiredo Sá, juiz do Tribunal que possuía relações com membros do Partido Comunista e era conhecido por ser crítico do Regime Militar. Esse magistrado era vigiado de perto pela DOPS, o Departamento de Ordem Política e Social, responsável por identificar e prender pessoas consideradas subversivas pelo governo da época. Em 1969, Calos Sá foi aposentado compulsoriamente com fundamento no Ato Institucional nº 5 (baixado em 13 de dezembro de 1968), que dava poderes ao Presidente da República para cassar direitos políticos de cidadãos e aposentar servidores públicos de forma arbitrária. Para não ser preso, ele precisou se exilar fora do Brasil.
Talvez tenha sido essa proximidade com Carlos Sá, que levou o DOPS a abrir uma ficha em nome de Hélio, na qual consta a informação de que ele “tinha amizade com Carlos Figueiredo Sá”, que “frequentava sua fazenda situada em Ipauçu-SP”.
Das irmãs Maria Antonia Savi e Benedicta Savi, ambas servidoras aposentadas do TRT-2, pudemos ouvir mais histórias sobre Hélio. As duas também foram vítimas de perseguições durante a Ditadura, assim como seu irmão Oswaldo Savi, também servidor do TRT-2.
No final da década de 1960, Benedicta Savi (servidora do TRT-2 de 1963 a 1979) passou a ser procurada pelo Departamento de Ordem Política e Social, devido a sua aproximação com pessoas consideradas subversivas pelo Regime Militar. Ela e seu companheiro, o juiz do trabalho Carlos de Figueiredo Sá, precisaram se exilar, passando pelo Chile, França e Portugal. Impedida de voltar para o seu país, ela sofreu um processo administrativo e foi demitida por abandono de cargo, apesar dos repetidos pedidos de licença, justificados pela perseguição política que sofria. Em 1978 ela retornou ao país e relembra que foi Hélio quem insistiu em representá-la em seu pedido de reintegração, que em 1989 foi deferido, restituindo seus direitos como servidora do TRT-2.
Já a irmã de Benedicta, Maria Antonia Savi (que atuou no TRT-2 de 1962 a 1980) também tem boas lembranças de Hélio. Em entrevista cedida ao Centro de Memória do TRT-2, ela relembrou que seu irmão, Oswaldo, que também foi servidor do TRT-2, sofreu perseguição e foi demitido. Ele foi vítima de um processo administrativo cheio de incongruências, com participação do SNI – Serviço Nacional de Informações – que o levou à demissão. Mais tarde a Justiça Federal reconheceria como inexistente a motivação para a sua demissão e ele seria inocentado e reintegrado. Nesse ínterim, Oswaldo foi acolhido por Hélio Fonseca, que o empregou fora do Tribunal, até que justiça lhe fosse feita e seu processo fosse anulado.
Aparentemente, Hélio Fonseca possuía divergências ideológicas e políticas com alguns de seus colegas que eram abertamente contrários ao Regime Militar, contudo, diante das perseguições políticas da época e das injustiças que ocorriam, não se eximiu de ajudá-los e acolhê-los. Era um momento delicado e colegas de Hélio, contemporâneos de TRT-2, por mais de uma vez relembraram dele como um bom amigo e um respeitado juiz.
# | PRESIDENTES DO TRT-2 NOS ANOS DE ATUAÇÃO DE HÉLIO TUPINAMBÁ FONSECA | MANDATO |
---|---|---|
1 | Eduardo Vicente de Azevedo | 1941-1942 |
2 | Oscar de Oliveira Mendonça | 1942-1944 |
3 | Nebrídio Negreiros | 1944-1946 |
4 | Ernesto Mendonça de Carvalho Borges | 1946-1948 |
5 | José Teixeira Penteado | 1948-1953 |
6 | Thélio da Costa Monteiro | 1953-1954 |
7 | Hélio Tupinambá Fonseca | 1954-1959 |
8 | Décio de Toledo Leite | 1959-1963 |
9 | Hélio de Miranda Guimarães | 1963-1967 |
10 | Homero Diniz Gonçalves | 1967-1976 |
Aposentado duas vezes
Em 1968, a Lei nº 5.442/1968 modificou a CLT, ampliando nas 1ª e 2ª regiões a quantidade de juízes de tribunal para 11 togados e 6 classistas. Os tribunais passaram a ser divididos em Turmas, compostas por três juízes togados e dois juízes classistas (empregadores/empregados). Além disso, os regionais com ao menos seis juízes togados passaram a contar com um juiz escolhido dentre membros do Ministério Público da União e um escolhido dentre os advogados (Quinto Constitucional). Diante dessa reformulação estrutural no Tribunal, Hélio Fonseca vai ocupar a presidência da 1ª Turma, em sua primeira formação.
Nessa época, ele vai ganhar notoriedade como professor de cursos preparatório para as provas de concursos de servidores do TRT-2. A partir de 1963 os concursos na Justiça do Trabalho passaram a ser abertos ao público em geral e suas provas atraíam interessados em seguir carreira no judiciário. Além disso, mesmo próximo de se aposentar, Hélio se mantinha firme em seus entendimentos jurídicos, dando declarações aos jornais da época sobre suas divergências a respeito de decisões proferidas pelo TST, como no caso da greve da Companhia de Cimento Portland Perus em 1968.
Em contato com a família de Hélio Fonseca, o Centro de Memória recebeu uma carta manuscrita de um de seus filhos, Sérgio Luiz da Fonseca, que assim como seu pai, fez carreira na Justiça do Trabalho, atuando como Oficial de Justiça nas 1ª e 4ª juntas de conciliação e julgamento da capital, de 1965 a 1994. Na referida carta, Sérgio nos conta um pouco da história de seu pai e evidencia o fato de Hélio Fonseca ser um juiz que prezava pela imparcialidade, mas que não deixava de expressar suas opiniões e indignação com as arbitrariedades do governo da época:
Hélio Tupinambá Fonseca vai se aposentar em 29 de abril de 1969, em condições peculiares. Em publicações de jornais da época consta que ele foi aposentado compulsoriamente com fundamento no ato Institucional nº 5 de 1968, que previa a cassação e a aposentadoria de servidores públicos e magistrados por motivações políticas, como forma de punição. Apesar de não possuir reconhecido envolvimento direto com a atuação política, Hélio era amigo pessoal de magistrados e servidores que eram vigiados e perseguidos pela Polícia Política.
Contudo, como consta em seu prontuário, o pedido de sua aposentadoria já tinha sido protocolado por ele em 1968, sendo aprovado antes da decisão que aposentou seus colegas de Tribunal. No Relatório Anual do TRT-2 de 1969, sua aposentadoria consta como “a pedido”.
Nos registros oficiais, permaneceu a aposentadoria de Hélio Tupinambá Fonseca como a seu pedido. Entretanto, dias após a concessão desse direito, consta que Hélio teria sido aposentado novamente (sic) pelo Presidente da República, dessa vez com fundamento no Ato Institucional nº 5, no dia 8 de maio de 1969. Na época, o Ministro da Justiça era Luiz Antônio da Gama e Silva, conhecido por perseguir e punir desafetos e supostos opositores do Regime Militar, de maneira arbitrária e autoritária.
Essa atitude não passou em branco e no dia 10 de maio, Hélio Tupinambá Fonseca remeteu uma carta ao ministro Gama e Silva. Nela ele denuncia a injustiça cometida com essa segunda aposentadoria, contudo, em nenhum momento se rebaixa diante das autoridades da época. O tom é de indignação, mas também de um sóbrio posicionamento em defesa da autonomia do judiciário.
Tal carta chegou ao Centro de Memória do TRT-2, em formato digital, por meio de uma doação de Sérgio Luiz da Fonseca (filho de Hélio) e Pedro Kirk da Fonseca, neto do ex-presidente do TRT-2. O documento, agora pertencente ao Acervo Histórico do TRT-2, pode ser acessado na íntegra e constitui-se em um verdadeiro manifesto em defesa da Justiça do Trabalho e da Democracia, escrito em um momento em que tais posicionamentos podiam levar alguém à prisão, ou coisa pior. Um dos trechos finais é especialmente contundente:
Após sua aposentadoria, Hélio Fonseca foi presidente da Amatra II – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região, de 1969 a 1973. Em 1969, Hélio fundou o escritório Fonseca, atualmente Fonseca, Veiga, Martins, Schmidt Advogados. Atuou como advogado em companhia do neto, Pedro Kirk da Fonseca, que hoje é um dos orgulhosos representantes do legado deixado pelo juiz trabalhista.
Com sua primeira esposa, Farida Issa Fonseca, teve dois filhos: Paulo Rubens da Fonseca e Sérgio Luiz da Fonseca. Em 1980, após se divorciar, casou-se com Alma Leda de Azevedo (funcionária do TRT-2 de 1962 a 1977), que faleceu em 2003, deixando-o viúvo. Em 2003 casou-se com Beatriz de Freitas Fonseca, namorada de sua juventude, que reencontrou na melhor idade. Teve oito netos, dezoito bisnetos e muitos amigos.
Hélio Tupinambá Fonseca faleceu em 11 de julho de 2015, aos 98 anos, em seu sítio em São Paulo. Após 26 anos de serviços prestados à Justiça do Trabalho, e outros 40 dedicados à advocacia.
A memória do homem alto, de hábitos refinados, que tinha posições muito firmes, mas que também era receptivo e cordial, permaneceu entre seus colegas, que compartilharam os desafios de uma Justiça do Trabalho que se estabelecia e crescia. Ele esteve à frente do primeiro grande processo de expansão do TRT-2, que na década de 1950 foi palco da resolução de importantes conflitos entre capital e trabalho. Como magistrado e presidente, deixou marca indelével nos relatórios e registros históricos do Regional, mas também, na lembrança de seus colegas, que com ele conviveram.
Esse texto contou com a contribuição de familiares de Hélio Tupinambá Fonseca, em especial seu filho: Sérgio Luiz da Fonseca, e seu neto: Pedro Kirk da Fonseca, que forneceram informações preciosas que complementaram as pesquisas realizadas pelo Centro de Memória do TRT-2.